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INTRODUÇÃO O que motiva a escrita deste texto é a reflexão sobre a relação do

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UMA RELAÇÃO ENTRE OBJETIVIDADE DO ESPAÇO, CULTURA E AÇÃO INTUITIVA DO SUJEITO

INTRODUÇÃO O que motiva a escrita deste texto é a reflexão sobre a relação do

cotidiano com a Geografia, principalmente para abordar questões de “mi-croterritorialidades” e/ou “microterritorializações”, que me dedico há algum tempo. Antes de tudo, gostaria de esclarecer estes dois últimos termos em-pregados. Em meu primeiro estudo, a “territorialização” (COSTA, 2002) deu sentido às apropriações espaciais de agregados sociais no espaço urba-no, que se referiam as reuniões de sujeitos orientados sexualmente para o mesmo sexo. O termo estava condicionado à realização da reunião destes sujeitos por diversos motivos, mas principalmente pela comunhão de práti-cas afetivas relacionadas ao mesmo sexo. Com o tempo, principalmente em Costa (2008), fui dando ênfase ao prefixo “micro”, na palavra “microterri-torialização”, isto porque queríamos enfatizar dois aspectos deste termo: o caráter de ação individual e coletiva que leva a apropriação de certas partes do espaço produzido/usado por outros sentidos diversos que anteriormente pensado; a dialética contida no teor que dá sentido a própria ação, que se expressa em três principais pilares:

1) configurada aos propósitos da materialidade existente, dando sentido exato aos propósitos pensados do uso do espaço – como o “concreto pensado” (SILVEIRA, 1999) – e ao espaço – configurado pelo poder (FOUCAULT, 1993) – “nos usando”. A inércia humana converge a ideia da técnica/da matéria como base do fazer cotidiano, que aponta a alienação deste fazer (SANTOS, 1997), assim como na discussão do

“prático-inerte” ou a ação depositada nas coisas, nas formas jurídi-cas, nas formas materiais e nas formas morais, de acordo com Sartre (2002) e Silveira (1999);

2) discordante aos propósitos da materialidade produzida/pensada para determinados fins: a criatividade da ação humana utiliza-se de táticas que burlam o “prático-inerte” e dão outros sentidos originais ao uso do espaço e ao fazer cotidiano (DE CERTEAU, 1994). “As artes de fazer”

apresentam um aspecto de partilhas de conhecimentos intersubjetivos a partir da ação cotidiana que, na contemporaneidade (principalmente

urbana), está desvinculada das reproduções técnicas que envolvem o trabalho e o “prático-inerte” moderno. A chave dos enlaces intersubje-tivos são as interações que partem de sujeitos que percebem o espaço e, neste ato de percepção, ligam processos intuitivos que culminam na ação (de interação) espacial; que também pode (pela lente da pesquisa) ser sintetizada em determinados propósitos. A partir da partilha destes propósitos agregam-se aprendizados e repetições de ações e reproduções de significados (principalmente linguísticos, de qualidade dos sujeitos em interação e de marcações significantes de partes de espaço), que geram culturas tênues de agregados humanos. É na observação destas tênues, muitas vezes camufladas, culturas, que estratégias de marketing de mercado (mercado pós-moderno/flexível ligado aos divertimentos, às sensações e desejos humanos) reproduzem sínteses de formas, de imagens e de linguagens que retornam a tais culturas, reforçando certos aspectos e cimentando certas visibilidades espaciais. Por outro lado, as

“artes de fazer” apresentam também aspectos de regionalidade diferen-ciadas que implicam em uma diferenciação do acúmulo técnico e/ou da estabilidade do “prático-inerte” moderno, sendo muito visíveis em meios rurais e em situações tradicionais, cujas redes técnicas modernas se instalaram por incompleto ou são quase nulas. Estas territorilizações remetem a uma maior preservação de certos aspectos que remetem a ideia de “gênero de vida” (SORRE, 2002) ou tradições mantidas há tempos pelas gerações. Sobre elas ocorre a tendência da expansão do capital e do meio técnico-científico-informacional, que acarreta geral-mente suas extinções ou novas reproduções “maquiadas” como sínteses estéticas reproduzidas por estratégias de marketing do lugar quando se vincula ao mercado de turismo;

3) da ação tendo um sentido dialético entre os dois paradoxos ante-riormente discutidos, ou seja: um concluo diverso entre uma ação plenamente “preenchida” (significada intencionalmente) pela obje-tividade (que liga corpo, mente e exterioridade num fazer prático) e a infinidade de percepções dadas a uma mesma coisa externa. Este

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pensamento implica verificar que existem relações variadas das ações humanas com a objetividade/materialidade, em termos de motivação à ação. Isto está ligado às profundezas da subjetividade nas suas co-nexões múltiplas com os sentidos/representações que se dá aos fatos/

coisas/pessoas/fazeres do mundo ao redor, como o trato complexo dado por Husserl (1980) à relação de “percepção variada” e “represen-tação preenchida” no teor dos atos e das ações humanas. As confor-mações às representações sociais dadas aos objetos e ao fazer cotidia-no (na própria ação estabelecida) são multifacetadas em termos das percepções individuais dadas a elas: (a) conforme a uma subjetividade conduzida; (b) ocorrendo perturbações desta condução (a condução que nunca é segura); (c) como percepções variadas dadas pela rela-ção do “eu” ao objeto (que culminam a outro tipo de motivarela-ção/

ação dissidentes daquela síntese dadas às representações socialmente produzidas da relação determinada do sujeito com o objeto/ser, ou com o fazer sobre/com ele). Husserl (1980) aproxima a percepção à intuição, neste sentido intuição seria um leque de possibilidades de relação do sujeito com o objeto em um sintoma de “preenchimen-to incomple“preenchimen-to” dele em relação as suas significações/representações construídas socialmente. Isto afasta percepções da ideia de representa-ções sociais discutida por Moscovici (2003), mais próxima a sistemas de linguagem que reproduz os significantes do “prático-inerte”. Os sujeitos intuem (ação de observação e de interesse que se estabelece a partir de estímulos diversos condicionados a significantes subjetivos esparsos) na relação com objeto. Nesta intuição, os sistemas represen-tativos construídos socialmente sobre o objeto podem ser mobiliza-dos subjetivamente de forma multifacetada (como leque de opções confusas e não totalmente certas). O resultado é um “preenchimento incompleto” ou uma sobreposição confusa entre percepção subjetiva do sujeito, objeto e representações construídas/cristalizadas social-mente. A isto se abre uma infinidade de significações sobre as coisas da vida, sobre os fatos e sobre as identificações entre sujeitos e entre os espaços. Isto torna complexas as ações humanas, cabendo a retomada de importância ao contexto delas.

4) Neste trabalho, os sentidos da ação eram discordantes aos sentidos da materialidade existente, uma vez que esta é pensada em acordo com o espaço social impregnado de propósitos históricos, morais e funcio-nalmente objetivos com concepções “normatizantes” que constroem as bases da estrutura e das convenções de vivência no espaço social.

Este é o sentido da microterritorialização, uma vez que afetividades e sexualidades discordantes dos scripts sociais parecem que “cavocam”

brechas por entre a normalidade material/acional/moral do espaço social, definindo um sintoma de proteção (de uma reunião dissiden-te) e camuflagem (da ação dissidente dos sujeitos) nestas brechas. A simples presença gerada por um saber específico sobre os prováveis acontecimentos produz a comunhão e efetivamente os acontecimen-tos esperados. Isto remete a ideia da apropriação espacial cujas ações interativas produzem os acontecimentos individualmente esperados.

A apropriação apresenta-se em muito grande escala que nunca está completa e sempre é flutuante, por isto “microterritorialização”.

Com o tempo fomos evidenciando que o próprio espaço social apresenta uma condição dialética (COSTA; HEIDRICH, 2007) por-que ele estava, na verdade, mais cheio de “brechas” por-que efetivamente constituindo uma superfície sólida, lisa e/ou completamente ordenada/

funcional, como se pensa na ideia de uma estrutura social previsível que abarca a vida e as ações de todos em sociedade. Observa-se que as imprevisibilidades de ações dos sujeitos sociais e também das suas intersubjetividades poderiam denotar diferentes ordens de usos e pro-duções materiais e imateriais do espaço social: material pelas presenças discordantes e pelas marcações impregnadas de sentidos diversos dos di-ferentes agregados sociais; imateriais pelas relações de percepções, repre-sentações, imaginações e lembranças que diferentes sujeitos e diferentes grupos produzem em seu cotidiano de diferentes partes do espaço social (estas muito diversas, em que as relações de ordem moral, funcional e de regramento social se esvaem pelo prazer, pela criatividade, pela arte e pela afetividade). Assim, a discussão sobre estas “microterritorializações”

ganha um sentido mais complexo que a simples realização do observável

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e material. O tom da complexidade já se estabelece, uma vez que a pró-pria realização da ação de apropró-priação pela presença nem sempre é visível em meios sociais, podendo apresentar uma circulação em que somente os sentidos daqueles que agem por certos propósitos, impregnados de códigos de percepções e de vontades de relação, podem perceber. Em um mesmo espaço, por exemplo, diversas ações/relações acontecem sem que todos que estejam presentes percebam, como se planos imateriais para uns acontecessem paralelamente na perspectiva de convivência de propósitos (subjetivos) de outros.

Por conseguinte, em virtude de muitas outras questões que en-volvem as relações humanas com o espaço imediato de subjetivação e objetivação, vem à ideia da “microterritorialidade”. Em primeiro momento, os sujeitos apresentam-se e agem no espaço material, mo-dificando o uso e a forma com sua presença, mas isto é produzido/

reproduzido em meio a uma complexidade de ações que remetem à objetivação das subjetividades em diversos e complexos jogos de rela-ções. A microterritorialidade implica a relação imediata com o espaço material, que se apropria de parte dele pela presença e pela interação, desde os contatos humanos mais intensos, o “apinhamento” (TUAN, 1980), até os mais tênues, como a “deriva” ou circulação esporádica por certos trajetos cujas certas interações acontecem (PERLONGHER, 1987). Mas, além desta relação (ação) imediata, ocorre uma trama de possibilidades contidas no próprio espaço e um conjunto de repre-sentações e percepções contidas e emanadas pelo próprio sujeito em ação (cotidiana). Há também o acaso ao próprio sujeito que representa aquilo que está além da formatação do próprio espaço e além daquilo que burla a formatação como uma constância discidentes. Há o além do estabelecido, tanto este sendo a ordem do espaço, tanto sendo esta a constância da brecha que o modifica. Ocorre um terceiro paralelo que estingue tanto a ordenação da normalidade, tanto aquilo que quieta-mente a transforma na ação repetida do discordante a ela. Este terceiro paralelo remete ao acontecimento do “aqui” e “agora” e que marca as lembranças dos sujeitos tornando certa parte do espaço uma cena em suas lembranças.

A microterritorialidade se funde como um híbrido dialético e complexo entre aquilo que nos formata (como o que deve se cumprir porque se espera a cumprir) no espaço, como aquilo que permite que nos liberem das profundidades e esconderijos dos nossos sentimentos, assim também como todo o acaso que nos faz perceber novas sensações e nos faz pensar sobre nós mesmo (na importância que o acaso talvez nos faça tomar outros rumos). A microterritorialidade existe pela presença nossa em interação e por aquilo que nos faz refém dela:

(a) seja pela obrigação ou pela formatação da cultura que nos define como tais, tanto no sentido dos aprendizados colmatados em socie-dade (moral, códigos de conduta, lei, regras, regramentos práticos funcionais), fazendo convergir outras escalas que nos produzem e re-produzem com o espaço: a técnica como suporte do cotidiano, como nos fala Milton Santos (1997);

(b) seja pelas ações de intersubjetividades desejantes, cujas formas de in-teração organizam outros sentidos de se viver àquela parte do espaço, permitindo libertações desejantes individuais, mas também produ-zindo jogos de regramentos em níveis de relações imediatos negocia-dos na informalidade da agregação humana;

(c) seja por uma série de situações inusitadas que geram ações e reações imprevisíveis cujas realidades encontram-se nas profundezas das lem-branças e nos desejos de “se retornar a ver” ou de se esquecer dos sujeitos comuns.

A microterritorialidade é este concreto difuso que une em uma reali-dade espacial restrita a ação, a lembrança, a imaginação e os fatores que escapam o “querer” próprio do sujeito (ou concebem um querer pela obrigação e pelo aprendizado), pois estes fatores estão impregnados a ele por sua própria vivencia em sociedade, pela sua própria localização em um meio técnico e moralmente produzido. A microterritorialidade torna-se o espaço de interação humana em que interagem subjetivida-des subjetivida-desejantes (identificações dos sujeitos sobre o teor de seus íntimos e sobre a qualidade dos outros que se identifica e que se relaciona);

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jetividades funcionais (ações e comportamentos necessários a se tomar para agregar-se na normalidade da sociedade); representações produzidas e autoproduzidas sobre as coisas (formas, sistemas simbólicos, conhe-cimentos, imagens e imaginações) do mundo; e percepções que moti-vam novas descobertas sobre o “si mesmo”, sobre os outros e sobre ou-tras coisas/fatos imaginados exteriores ao espaço imediato.

A microterritorialidade é sentida na ação que se produz no “não pen-samento” do sujeito. Dessa forma ela é o espaço prático da ação, estando híbrido entre uma constância das formas e normas, sejam elas sociais (o espaço social reproduzido e normatizado pela técnica e pela lei/moral) sejam elas culturais (o espaço cultural a agregação e dos jogos de inte-ração humana informal). Por outro lado, é também o espaço de iden-tificação contido na imaginação e avaliação subjetiva constante dos su-jeitos sobre quem são a “si mesmos” e quem são “os outros” com quem convivem. Mais além, é o espaço da produção de certas sensações por estímulos múltiplos trazidos de fora do que é imediato, guardados na intimidade e concebidos nas experiências pessoais diversas em outras situações, em outras dimensões materiais e imateriais.

A base desta discussão emerge do debate sobre o espaço social. Em Costa (2010, pp. 111-112), reflete-se sobre as condições do espaço so-cial e sua relação com o território. A discussão aponta para o seguin-te processo:

[...] o espaço social se apresenta como condição primeira, ou seja, o espaço de reprodução da sociedade em suas condições de homogenei-dade, funcionalidade e de regramento moral dos comportamentos hu-manos. O território, em diferentes escalas, assim como a microterri-torialização dos diferentes sujeitos que fragmentam o espaço urbano, apresenta-se como condição segunda, na sua condição contestadora e orgânica, representando outras apropriações dentro de um espaço so-cial, ao mesmo tempo “a favor” e “contra” a sua condição primeira. As-sim temos o espaço social como condição terceira, agora nunca visto como homogêneo e regrado, mas produto misto de forças de homoge-neização e de forças de diversificação, ou seja, orgânico. O (micro) ter-ritório (ação) contém aquilo que é referencia a sociedade, aquilo que

é desvio dela (identidades desviantes, estigmas) e aquilo que escapa as duas coisas (espontaneidades e singularidades múltiplas em agregações territorializadas) (grifos do autor)

As discussões estabelecidas nesta publicação convergem para a ideia de um espaço social que se produz organicamente em virtude da emer-gência de microterritorializações diversas que se produzem nele. A re-flexão aponta para a condição de um espaço social que é regrado e ho-mogeneizado em virtude da funcionalidade do trabalho, da expansão da unicidade técnica e das concepções morais e legais reproduzidas, que abarcam os sujeitos pelo aprendizado em instituições sociais. Por ou-tro lado, o espaço social também é composto pela contestação disto e pela emergência das sensações e ações humanas desejantes espontâneas e criativas. Isto aponta para as subjetividades dos diferentes sujeitos e pelos jogos de sensações imprevisíveis contidas nas relações humanas.

No entanto, há uma grande força especialmente a econômica que irá dar suporte a um cotidiano regrado e este suporte é a condição material do espaço social dado pela técnica e que colmata e conforma as ações, relações e identificações humanas. Mas esta conformação nunca é plena, pois pensamentos discordantes dão vasão a ações contestatórias e outras produções materiais de interação, assim como imprevisibilidades de per-cepção geram outras tomadas de ações de sujeitos e novas comunhões.

Estes processos vão diversificadamente produzir outras qualidades refe-rentes ao espaço social, que, assim, denotará muito mais um caráter or-gânico, ou seja, menos rígido e regrado, mas autoproduzido e mutante.

Só que esta face do espaço social é gerada pelos processos de microterrito-rialização e/ou microterritorialidade, pois ações dialéticas entre contesta-ção da normalidade/regramento e a força da manutencontesta-ção dela se estabele-cem em “micropartes” deste espaço, em cantos e “pedaços” (MAGNANI, 1998) desregrados da normalidade geral (embora apresente um regramen-to contextual que pode ser visregramen-to pela visão da antropologia urbana), mas que “pipocam” aqui e acolá a suposta superfície lisa contida na ideia da primeira condição do espaço social. Assim sendo, é refletindo ainda mais sobre este processo que segue o texto.

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