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DIÁLOGOS COM A SUSTENTABILIDADE

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SUSTENTABILIDADE E NATUREZA: DIÁLOGOS COM A GEOGRAFIA (APONTAMENTOS)

DIÁLOGOS COM A SUSTENTABILIDADE

“[...] dar-se mais razão aos segundos (os possibilitas culturais) não justifica em absoluto que nos deixemos levar a um voluntarismo excessivo” (p.111).

Para a Agenda 21 brasileira (2000), a sustentabilidade cultural relaciona-se à capacidade de países ou regiões manterem a diversidade de culturas, valores, prá-ticas que compõem ao longo do tempo a identidade dos povos. Leff (2001) en-tende a racionalidade ambiental como conceito-práxis e a sustentabilidade, nele inserida como “um critério normativo para a reconstrução da ordem econômica, como uma condição para a sobrevivência humana e um suporte para chegar a um desenvolvimento duradouro, questionando as próprias bases da produção” (p. 15).

Independentemente da enorme diversidade de abordagens da sustenta-bilidade desde balizamento de parâmetros e indicadores na pluralidade de dimensões em que é analisada (com ênfase a programas e projetos governa-mentais), até aos estudos sobre representações, identidades, saberes locais, por exemplo, também, produzidos pela geografia, há que pontuar a

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cia da geografia no trato de problemas ambientais. A inclusão da dimensão cultural no debate sobre a sustentabilidade e, portanto, nas questões inter-venientes do desenvolvimento e do meio ambiente, situa-se pois na recente produção que Claval (2008) pontuou como da “virada cultural da geografia”.

Segundo Claval (2008) as várias concepções da abordagem cultural na geo-grafia têm raízes diferentes e se inserem em três famílias de abordagem que coexistem: processos culturais e sócio-culturais; estudos da experiência vivida e estudos das representações. Para ele, o estudo dos processos culturais e sócio--culturais volta-se para as representações, “mas, sua motivação é diferente: a abordagem cultural parece indispensável para completar o trabalho de recons-trução da geografia humana iniciado nos anos 1950” (p.27). Também, subli-nha a “virada cultural da geografia que enfatiza o fato de que os processos so-ciais, econômicos ou políticos dependem das culturas onde eles atuam” e que as três abordagens “têm em comum o fato de sublinhar o papel da subjetivi-dade, de dar conta do papel das representações e do peso dos dados corporais [...] Todas estudam, mais ou menos, os processos culturais” (p.28).

Com efeito, “a corrente humanista busca referências variadas, tem um ecle-tismo voluntário, sem excluir nenhuma via, pois a exclusão é encarada como um risco de limitação e de empobrecimento”, tal como explicitou Almeida (2008). E continua: “a delimitação espaço-temporal do humanismo recolo-cou o homem no centro de suas preocupações [...] o que faz aparecer novos pontos de vista para compreender o sentido da arte, da literatura e de todo o conjunto que expressa o campo da atividade humana”. (p.34).

É evidente que a inserção da sustentabilidade nos trabalhos de geógrafos tem maior visibilidade nas abordagens críticas sobre técnicas, usos e relações de produção que afetam o meio ambiente, uns mais operativos que outros, mas a grande maioria discutindo em seus referenciais a conflituosa relação entre sociedade e natureza. Dessa maneira, a sustentabilidade não se insere como paradigma e sim como categoria para a análise da relação entre cultu-ra e natureza, cultucultu-ra e meio ambiente.

Por outro lado, as necessidades primárias, materiais e imateriais, os saberes, as heranças, os símbolos, as relações internas, as redes escalares, funcionais e de solidariedade, enfim, as identidades vêm sendo estudados, por geógrafos e também por outras disciplinas, utilizando-se a sustentabilidade como

catego-ria de análise. Isto se deve ao fato de que a sustentabilidade incorpora as for-mas de intercambio econômico, social e cultural que os sujeitos, grupos e co-munidades analisados mantêm com o meio, se prestando à análise de parte de seus referenciais, de seus significados, de suas identidades. Esta é inclusive, a abordagem preponderante dos pouco mais de dez trabalhos apresentados nas quatro edições do NEER (Núcleo de Estudos em Espaço e Representações) que citam em titulo ou palavras chave a sustentabilidade.

Todavia, a internalização da sustentabilidade em planos, programas e polí-ticas governamentais, ainda nos posiciona atentos ao uso da sustentabilidade como categoria analítica, pois sua aplicação, nestes casos, presta-se à avaliação de um território de controle, com fins e metas espaciais e temporais. Mas isso não é prerrogativa da sustentabilidade, pois a geografia convive com o uso pro-gramático de suas categorias fundantes o espaço, a região e o território, que, como já afirmado, coloca-nos num progressivo exercício de superação da opo-sição homem-natureza. Nestes termos operativos, Leff (2001) alerta: “Alem do mimetismo discursivo que o uso retórico do conceito (de sustentabilidade) ge-rou, não definiu um sentido teórico e prático capaz de unificar as vias de tran-sição para a sustentabilidade” (p.21). E, como ele apregoa uma nova racionali-dade, coloca em evidencia o surgimento do conceito de sustentabilidade “como resposta à fratura da razão modernizadora e como condição para construir uma nova racionalidade produtiva. [...] Trata-se da reapropriação da natureza e da reinvenção do mundo [...] de um mundo conformado por uma diversidade de mundos, abrindo o cerco da ordem econômica-ecológica globalizada.” (p.31).

Nos termos reflexivos dos avanços, ou melhor, do surgimento do con-ceito de sustentabilidade, entrecortando as reflexões sobre os saberes popu-lares, suas heranças, significados, representações e identidades, retomo ba-lizamentos7 lembrando as colocações de Reclus (1985) de que “o homem é a natureza adquirindo consciência de si própria” e, de Cosgrove (1998), que

“qualquer intervenção humana na natureza envolve sua transformação em cultura”. Cito Passmore (1995, p.100) como referência para os limites de nos-sa contribuição ao expor a contradição: “os homens, as plantas, os animais,

7 Retomar aqui no sentido de finalizar minha reflexão sobre a densidade da produção da geografia e não no sentido de pontuar como únicos contribuintes os autores citados.

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a biosfera formam parte de uma única comunidade no sentido ecológico da palavra [...] Mas isto não é o sentido de comunidade que gera direitos, deve-res, obrigações; homens e animais não são envolvidos numa rede de respon-sabilidades ou concessões mutuais. Isto é a razão pela qual, mesmo na filo-sofia naturalista, a natureza ainda é estranha”.

Afinal, a sustentabilidade contribui e poderá ainda mais contribuir para o rompimento do estranhamento para com a natureza. Mais que uma pista a ser perseguida, presta-se como conceito coadjuvante no resgate de aborda-gens “arcaicas” do modo de vida sem nos afastar da novidade contemporâ-nea dos fatos e das dificuldades teórico-metodológicas as quais nos debruça-mos na permanente construção da geografia.

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