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DO PERÍODO COLONIAL ATÉ ALMA ATA

O Sri Lanka (a colónia britânica de Ceilão até à independência em 1948) tem mantido indicadores de saúde consistentemente exemplares para um país em vias de desenvolvimento, apesar dos seus problemas económicos, políticos e sociais e de trinta anos de uma guerra civil persistente, que terminou em 2009. Na(s) primeira(s) década(s) do século XXI, o país apresenta indicadores (esperança de vida de 82 anos para as mulheres, 78 para os homens e uma taxa de mortalidade de crianças com menos de 1 ano de 5 por cada 1000 nados vivos) semelhantes aos de países muito mais ricos. Embora reconhecendo a contribuição dos factores socioeconómicos e políticos para estes resultados, a eficácia do seu sistema de saúde ganha, necessariamente, preponderância.

As bases deste sistema de cuidados de saúde, que se tornou um modelo para os países em desenvolvimento, foram estabelecidas em 1858, durante o período colonial.

Desde o início, cingaleses treinados em medicina ocidental proporcionavam cuidados médicos estatais em hospitais e dispensários. A escola médica de Colombo, fundada em 1870, foi crucial na expansão dos serviços médicos, uma vez que a pressão para extensão dos serviços de saúde à população em geral vinha dos profissionais aí treinados. As duas décadas de auto-governação, antes da independência, seguindo a Constituição de Donoughmore em 1931, que

instigava o sufrágio universal, contribuíram para promover a rápida expansão dos serviços de saúde, à medida que os políticos procuravam apoio do eleitorado.

Acrescente-se a isto a devastadora epidemia de malária de 1934–1935 (com 80 mil a 100 mil mortos estimados), crucial para a expansão da infraestrutura de saúde a regiões até então negligenciadas, que revelou também a pobreza generalizada dos camponeses cingaleses (que constituíam a maior parte da população). Enraizou ainda o bem-estar social (cuidados de saúde gratuitos, subsídios de alimentação e educação gratuita) nas políticas nacionalistas das elites e moldou as políticas públicas e o intervencionismo do Estado nas primeiras três décadas após a independência. A educação gratuita era também particularmente importante para a saúde. No final do período colonial, o Sri Lanka destacava-se pelos seus níveis de literacia feminina—44 por cento em meados dos anos 40. Uma vez que as mulheres são consideradas as principais provedoras de saúde nas famílias e nas comunidades, este era um factor importante que contribuía para os registos da saúde.

A experiência dos sistemas médicos tradicionais—

sobretudo o Aiurvédico, junto com o Siddha e o Unani—foi também única durante o período colonial. Nos anos 20 e 30, o governo colonial estabeleceu e subsidiou um Quadro de Medicina Indígena, uma faculdade para formação e

um hospital. Embora diminutamente financiada, em comparação com a despesa nos serviços de medicina ocidental, a medicina tradicional foi, desde a independência, uma parte integrante da medicina oficial. Além disso, a medicina tradicional do Sri Lanka valoriza a boa saúde e rejeita atitudes fatalistas em relação à doença. Assim, as normas culturais estimularam comportamentos de busca da saúde, recorrendo a qualquer forma de ajuda médica, e o pluralismo médico foi solidamente estabelecido.

Por fim, o Sri Lanka teve um amplo sistema de cuidados de saúde, desde os anos 20. Em 1926, foi estabelecida uma Unidade de Saúde em Kalutara, na sequência da colaboração entre a Fundação Rockefeller e o governo colonial. O programa de trabalho da primeira unidade de saúde incluía assistência materno-infantil, educação para a saúde, trabalho sanitário, trabalho com doenças transmissíveis e inspeções médicas escolares. Em 1937, ao mesmo tempo que as unidades de saúde se multiplicavam, o controlo da malária foi também incorporado no seu programa.

O propósito das unidades de saúde era preventivo e não curativo e, à medida que se distribuíam por toda a ilha, formaram a base da infraestrutura de cuidados de saúde primários que continuou até ao presente.

O legado do período colonial foi uma extensa infraestrutura de serviços tanto curativos como preventivos. Em 1949, S.

W. D. Bandara Naike, o então ministro da Saúde, declarou que o seu governo aceitava o conceito defendido pela OMS de que a saúde é um direito humano fundamental. Desde então, todos os governos têm reconhecido e mantido este compromisso. Nos anos 70, havia quase dois mil hospitais,

cinco campanhas especializadas para a tuberculose, a malária, a filaríase, a lepra e 98 unidades de saúde. No entanto, embora a mortalidade tenha descido, a morbilidade não. Para além das causas subjacentes à falta de saúde (mau estado das habitações, condições insalubres, falta de água potável, pobreza), existiam problemas inerentes ao próprio sistema de cuidados de saúde. Primeiro, nem toda a gente tinha acesso a estes serviços. O estabelecimento de instituições médicas ao acaso resultou na sua distribuição irregular. Os indivíduos carenciados das áreas rurais, que constituíam cerca de 70 por cento da população, eram mal servidos por esta infraestrutura. Viviam em aldeias distantes de estradas e transportes, em áreas onde os médicos tinham relutância em trabalhar e onde os serviços eram fracos. Os trabalhadores Tamil das plantações de chá sofriam das mesmas desigualdades. Os seus indicadores de saúde deterioraram-se visivelmente, em comparação com o resto da população, nas décadas que se seguiram à independência. Entre 1972 e 1975, a taxa de mortalidade de crianças com menos de 1 ano na área das plantações foi de mais de 100 por 1000 nados vivos—duas vezes o valor nacional registado.

Além disso, havia pouca coordenação no planeamento do uso dos serviços de saúde. Não existia uma estrutura de referenciação e as pessoas evitavam as instituições locais, dirigindo-se ao hospital onde havia especialistas, melhores instalações, tecnologia médica e medicamentos.

Assim, os grandes hospitais, sobretudo os de Colombo, estavam sempre sobrelotados, enquanto as instituições das províncias e as distritais eram subutilizadas, consolidando

as desigualdades. Como resultado, era difícil convencer os médicos a trabalhar em áreas rurais onde a carreira e as compensações monetárias eram limitadas.

O setor do Aiurveda era financiado pelo governo e estava em alta. O rácio de financiamento do governo entre o setor da medicina ocidental e o da aiurvédica aumentou de 73:1 em 1946–47 para 18:1 em 1972; mas, ainda assim, só representava cerca de 3 por cento do total das despesas com a saúde. Os serviços eram de fácil acesso—em 1972, a distância média até um praticante ou uma instituição de medicina aiurvédica era pouco mais de um quilómetro.

Constituíam um sistema para provimento de serviços por todo o país, mas não participavam na saúde familiar ou no controlo das doenças transmissíveis.

A partir dos anos 40, reconheceu-se que era necessária uma “política de saúde”, em vez de uma “política de doença”, como resumiu o diretor dos serviços de saúde Dr W. G.

Wickremesinghe em 1945. Apesar da contínua aceitação dos benefícios da medicina preventiva, o balanço dos gastos do governo era esmagadoramente favorável à medicina curativa, como acontecia em quase todos os países. Uma estimativa deste balanço em 1975 sugeria que, por cada rupia gasta no sector curativo, apenas 12 cêntimos eram gastos na prevenção das doenças e na promoção da saúde.

Esta situação levou o diretor do Hospital de Colombo a perguntar, em 1970, se “Seria mais importante neste país melhorar as condições sanitárias, a nutrição e a educação para a saúde, e oferecer instalações básicas para a saúde e o cuidado dos doentes, para o povo; ou seria mais importante investir em programas sofisticados e dispendiosos, como

as unidades de transplante cardíaco?” (Daily News, 3 de setembro de 1970). Contudo, os hospitais eram o símbolo visível do serviço gratuito de saúde do Sri Lanka e um símbolo de modernidade; transferir recursos para a saúde pública preventiva era um questão política altamente contenciosa.

O desenvolvimento dos cuidados de saúde primários no Sri Lanka tinha raízes profundas e, a nível internacional, era um exemplo do que podia ser feito sem os níveis de despesa dos países desenvolvidos. A experiência do Sri Lanka foi uma parte essencial do debate sobre cuidados de saúde primários, que assumiu um lugar central na comunidade internacional nos anos 70. Dada a extensão do seu sistema curativo baseado nos hospitais, era também um exemplo perfeito dos limites desse modelo nos países de baixos rendimentos, no contexto de uma população em crescimento e de crise económica. Contudo, nas décadas seguintes, o desafio para o Sri Lanka continuou a ser encontrar uma via eficaz para a redução da morbilidade. Esta é agora, mais do que nunca, uma prioridade pungente, dada a transição demográfica para uma população envelhecida e o duplo peso da doença daí resultante.

Dra Margaret Jones Universidade de York Reino Unido

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