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COBERTURA UNIVERSAL DE SAÚDE E MEDICINA MISSIONÁRIA

E

ste capítulo destaca duas áreas para as quais a medicina das missões tem contribuído (e continua a contribuir) histórica e significativamente, no que respeita à cobertura universal de saúde: a profissionalização dos trabalhadores da saúde no século XIX e o movimento dos cuidados primários de saúde no século XX. Tivemos o privilégio de trabalhar como missionários de saúde pública no Nepal.

Primeiro, como médico e enfermeira num hospital com 40 camas numa aldeia remota das montanhas; depois, como codiretores de um projeto de saúde comunitário, abrangendo saúde materno-infantil, alfabetização de adultos, água e saneamento, mais tarde focado respetivamente na tuberculose e no VIH/SIDA. Estas experiências deram-nos a oportunidade de refletir sobre o contributo—positivo e negativo—das missões e dos missionários para a saúde e os cuidados de saúde nos países em desenvolvimento.

A primeira missão médica da era cristã foi registada por um médico grego com as seguintes palavras: “Ele enviou-os a proclamar o Reino de Deus e a curar enviou-os doentes”

(Lucas 9:2). A missão que Jesus deu aos seus primeiros discípulos é a inspiração por detrás do movimento global que teve um profundo impacto nos cuidados de saúde ao longo dos últimos dois mil anos. A salvação e a saúde estão intimamente ligadas na fé judaico-cristã e a ênfase na “integridade” contribuiu para a persistência de uma

abordagem abrangente e centrada no paciente, na saúde baseada na fé. As poucas exceções a esta abordagem integrada, como, por exemplo, os muitos grupos religiosos que centraram o seu trabalho na lepra ou no VIH/SIDA, foram geralmente guiados pela preocupação com a estigmatização e a vulnerabilidade.

A medicina moderna e o movimento missionário moderno tiveram as suas raízes nos séculos XVIII e XIX. William Carey, um sapateiro de Northamptonshire, no Reino Unido, é muitas vezes referido como o “pai” das missões modernas, embora este epíteto deixe de fora a longa história dos sucessos das missões católicas, particularmente as dos Jesuítas, em muitas partes do mundo. Carey estabeleceu a Sociedade Missionária Batista em 1792, partindo para a Índia no ano seguinte e aí permanecendo até à sua morte, em 1834. Foi acompanhado pelo Dr John Thomas, um médico missionário que trabalhava em Calcutá.

Por essa altura, foram fundadas muitas sociedades missionárias na Europa e na América do Norte, centradas no proselitismo e na tradução da Bíblia; mas muitas enfatizavam também a educação, a saúde e as reformas sociais. Críticas a esta era das missões (que persistem no presente) realçam muitas tentativas desinformadas e paternalistas de “ocidentalizar e cristianizar” sociedades tradicionais, bem como a sua relação com as aspirações

coloniais de muitas potências europeias. Contudo, diversas reformas sociais modernas têm as suas raízes neste período.

Carey foi marcante na oposição à prática do infanticídio e da autoimolação das viúvas (suttee). As ligações coloniais são talvez sobrevalorizadas. David Livingstone, o famoso médico missionário e explorador escocês, ficou conhecido pelo aforismo “cristianismo, comércio e civilização”, que via como uma alternativa ao tráfico de escravos e um meio de corrigir a relação desigual entre africanos e europeus.

O objetivo da cobertura universal de saúde é assegurar que todas as pessoas tenham os serviços de saúde de que necessitam, sem ficarem expostas a dificuldades financeiras para os pagar. Isto requer um sistema de saúde forte, eficiente e bem gerido, baseado nas necessidades de saúde prioritárias e em cuidados de saúde centrados nas pessoas, um sistema de financiamento que garanta serviços de saúde acessíveis, acesso a medicamentos e tecnologias essenciais, além de suficiente capacidade em funcionários de saúde bem treinados e motivados.

O precursor da cobertura universal de saúde no século XX—o movimento dos cuidados de saúde primários—tem as suas raízes firmemente implantadas na assistência médica das missões. Os médicos missionários tiveram influência na promoção e treinamento de trabalhadores da saúde nas aldeias e no acesso aos medicamentos básicos.

Nos anos 60 do século XX cresciam os receios de que a abordagem tradicional das missões médicas—baseada nos cuidados hospitalares—falhasse na resposta às necessidades de saúde da população; além disso, os custos crescentes dos cuidados de saúde eram insustentáveis. Em 1968, o

Conselho Mundial de Igrejas formou a Comissão Médica Cristã (CMC) [Christian Medical Commission] para explorar

“que contribuições únicas ou específicas para os serviços médicos e de saúde podem ser oferecidos pela Igreja”.

No ano seguinte, a CMC candidatou-se a tornar-se uma organização não-governamental com relações oficiais com a OMS, incluindo na sua candidatura uma descrição da sua filosofia de “cuidados de saúde abrangentes”, que descrevia como “um esforço planeado para oferecer cuidados médicos e de saúde, procurando responder a tantas das necessidades definidas quanto possível com os recursos disponíveis e de acordo com prioridades cuidadosamente estabelecidas”. Em 1970, criou a revista Contact, na qual a expressão “cuidados de saúde primários” foi usada para explicar o conceito que mais tarde constituiria a base do movimento dos cuidados de saúde primários (CSP).

A CMC teve grande influência no desenvolvimento do conceito de cuidados de saúde primários da OMS. John Bryant e Carl Taylor, dois dos principais arquitetos dos CSP, eram membros da CMC, e o terceiro, Ken Newell, editou um dos textos fundamentais dos CSP, Health by the People, citando muitos exemplos dos programas da CMC. O seu pai trabalhara também como clérigo no Conselho Mundial das Igrejas. Não será talvez surpreendente que Halfdan Mahler, o diretor-geral dinamarquês da OMS, que lançou o movimento dos cuidados de saúde primários de Alma Ata e a Saúde para Todos, seja filho de um vigário batista.

As missões médicas contribuíram significativamente para o quarto pilar da Cobertura Universal de Saúde:

a profissionalização e formação dos trabalhadores da

saúde. Por exemplo, as missões médicas tiveram um papel importante na abertura da profissão médica às mulheres na Ásia. A primeira escola médica para mulheres na China, o Hackett Medical College para Mulheres, foi criada pela Dra.

Mary Fulton em Guangzhou, em 1902. A Dra. Ida Scudder, uma missionária médica da terceira geração americana, estabeleceu a primeira escola médica para mulheres na Índia, em 1918, a Escola Médica Cristã de Vellore, provavelmente o maior hospital cristão do mundo, no presente, com mais de 2600 camas.

Talvez ainda mais importante, as missões médicas, quer locais, nacionais ou internacionais, continuam a contribuir para a cobertura universal de saúde oferecendo formação,

apoio, promoção da saúde, bem como serviços preventivos e curativos em muitas comunidades e países. Existe uma notável falta de dados sobre serviços oferecidos pelas missões médicas, com estimativas de que entre 30 por cento e 40 por cento dos cuidados de saúde no Uganda e na Zâmbia sejam prestados por organizações religiosas (com a maior proporção em zonas rurais mais remotas).

Dr Ian Smith Diretor Executivo, Gabinete da Diretora-Geral da Saúde, Organização Mundial da Saúde

Sally Smith Conselheira de Parcerias, Programa Conjunto das Nações

Unidas sobre VIH/SIDA (ONUSIDA)

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